quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A teologia em Conan, o bárbaro

                                     
Uma das cenas que mais me diverte no filme "Conan, o bárbaro" de 1982, é quando ele e seu novo amigo, Subotai, discutem sobre os deuses para quem eles oram. Momentos antes, Conan salvara o pobre hirkaniano de grilhões que o prendiam a um rochedo, onde provavelmente seria devorado pelos lobos, e agora, sentam-se juntos para fazer uma boa refeição. E é aí que, do nada, o cimério faz uma inusitada pergunta ao companheiro. Tentarei reproduzir o diálogo:
- Para que deuses você ora?
- Rezo para os Quatro Ventos - responde Subotai. - E você?
- Para Crom. Mas faço isso raramente. Ele não me escuta.
- De que ele serve, então?
- Quando eu morrer, terei que me apresentar a ele, e ele me perguntará qual é o enigma do aço. Se eu não souber, serei banido do Valhala e Crom rirá de mim. Assim é Crom, forte em sua montanha!
- Bah! Meu deus é maior!
- Crom, do alto de sua montanha, ri dos seus Quatro Ventos! - reage Conan, com uma gargalhada.
- Meu deus é mais forte. Ele é o céu eterno - responde, apontando para cima. - O seu deus vive embaixo dele!
Conan se cala, pensativo, e não prossegue com o debate.

Além de terminar a discussão com estilo, me pareceu que Subotai sabia mais a respeito de seu deus do que Conan sabia sobre o dele. Acho que é mais ou menos assim que muitos religiosos da atualidade se comportam em seus debates. Colocando os atributos de seus deuses numa arena, como se selecionassem cartas de Pokemon para um duelo. Consequentemente, muitos leigos acabam escolhendo sua religião da mesma forma que escolhem um time de futebol para o qual torcer, e nem recebem o mínimo de instrução necessária para exercitar sua crença. O conhecimento acerca de seu deus é superficial, assim como acerca de suas doutrinas e disciplinas espirituais. Não é raro ver gente "mudando de religião" o tempo todo. E até muitos cristãos, mudando de denominação evangélica ao primeiro descontentamento enfrentado. Já ouviram a frase "ah, não estou me sentindo bem aqui"? Pois é... não posso generalizar a situação de cada um, mas será que esse "sentir-se bem" não seria um sinal de que se está procurando a sensação errada numa igreja? Aliás, o objetivo de uma igreja/religião é proporcionar sensações? Pense nisso.

Voltando ao exemplo de Conan, o que fascina muita gente sobre a escolha de um deus ao qual servir, é o quanto ele é forte. Na internet, não foram poucas as vezes em que li textos nos quais as pessoas debocham de Jesus e do calvário, acusando o cristianismo de ser uma religião decadente, de um deus fraco, que se deixa espancar e acaba morrendo numa cruz. Mas o extraordinário acerca de Jesus é justamente isso: o maior poder que já existiu é o amor. O apóstolo João explica que Deus se revelou como sendo amor, e não como poder (apesar de ser onipotente). E não houve maior demonstração de amor do que a de um deus que se deixa matar para ser o sacrifício perfeito, para um Deus que é perfeito, e assim salvar toda a humanidade de seus pecados. Além disso, Jesus morreu na cruz mas não "ficou morto"... ressurgiu, e vive para sempre. Mas para crer nisso é necessário fé, e de fé a gente fala outra hora.

O mais curioso acerca daqueles que procuram um deus que representa poder - e não amor - é que se esse deus não demonstra a força que se espera, ele deixa de ser seguido, de ser respeitado. Atentem, ó humanóides, para a oração de Conan em sua derradeira batalha, que ocorre no fim do filme. Ele e Subotai terão que enfrentar, sozinhos, o vilão Thulsa Doom e seus homens:
- "Crom, eu nunca orei desse jeito a ti antes, não tenho jeito pra isso. Ninguém, nem mesmo tu te lembrarás se fomos homens bons ou maus. Porque lutamos ou porque morremos. Não. Tudo o que importa é que dois enfrentaram muitos. Isso é o que importa. A coragem te agrada, Crom, então concede-me um pedido. Concede-me a vingança. E, se não me escutares, então que vás pro inferno!"

É... acho que tá meio difícil para os deuses pagãos conseguirem um pouco de respeito!


Tudo de bem a todos.


Observação: a belíssima trilha sonora do filme foi composta por Basil Poledouris, e o nome do tema que toca ao fundo, na cena em que Conan e Subotai debatem, não poderia ser mais apropriado: Theology.





domingo, 22 de setembro de 2013

Paulo era de veneta!


Nos últimos meses, o grupo de estudo bíblico em que participo, às quintas-feiras, esteve abordando todo o livro de Atos do Apóstolos. Foi interessante se aprofundar, a cada semana, numa linha de raciocínio com outras pessoas a respeito de tudo que Lucas relatou sobre o surgimento da igreja primitiva, especialmente acerca das viagens missionárias de Paulo e sua estratégia evangelística. Como expliquei na postagem inaugural deste blog, o livro Temperamentos Transformados elege o Apóstolo Paulo como o ícone bíblico do comportamento colérico, ou seja, se por um lado ele possui virtudes que fazem dele um líder entusiasta, determinado, prático, eficiente e audacioso, por outro lado, ele também carrega certos defeitos, como a prepotência, a intolerância, a auto suficiência e o mau humor. Estes elementos são claramente vistos enquanto lemos a respeito de suas viagens, inclusive, no episódio em que ele discute com Barnabé, seu colega de missão, a ponto deste último se separar e rumar para outro lugar, tocando seu ministério sozinho.

É curioso como Deus não escolhe pessoas perfeitas para seus propósitos. Pra começar, elas não existem. Mas não deixa de ser curioso notar como as deficiências comportamentais de Paulo são chamativas. Parece que seu caráter revela muito mais para nós do que o próprio Paulo gostaria. Mas aprendemos grandes lições acerca disso. Uma delas está justamente no fato de que, ao mesmo tempo em que a determinação e o entusiasmo o levam à várias cidades para pregar o evangelho, sua intolerância com os incrédulos e escarnecedores o faz dar meia volta! Como aconteceu por exemplo, em Antioquia e Icônio, onde após passar um bom tempo debatendo acerca da vida, morte e ressurreição de Jesus, e acaba "sacudindo o pó das sandálias" e indo para outra cidade, em virtude do endurecimento de coração de seus ouvintes nas sinagogas. Casos parecidos também ocorreram em Tessalônica, Corinto e Éfeso: ao chegar à estas cidades, como de costume, nos sábados Paulo ia às sinagogas para levar as boas novas. Durante algum tempo, e mesmo após a conversão de muitos, a irritação com os que resistiam e blasfemavam era tanta, que o apóstolo sacudia as roupas num gesto de "cansei, já chega" e ia para a casa de algum irmão recém-convertido que o recebia.

Esse gesto nos mostra que, na maioria das vezes, não dá pra ficar perdendo tempo com quem não quer ouvir. Acredito que o evangelho não pode ser empurrado "goela abaixo" das pessoas, acho que aqueles que possuem a pré disposição de ouvir, nos receberão com alegria e disso nascerão muitos frutos. Só consideram ouvir do evangelho de Jesus Cristo aqueles que têm fé - e explicar o que é fé é meio difícil, porque dá até pra confundi-la com loucura - e não aqueles que exigem pura lógica e provas científicas... simples assim. Por isso, Paulo sempre obedecia à voz de Deus, indo onde era preciso, de forma que num espaço de dois anos, toda a Ásia ouviu falar de Jesus: aceitá-lo ou não, isso já era outra questão. Pois é, Deus usou esse homem, alguém com tantas virtudes e tantos defeitos, alguém como eu e você, para uma empreitada de proporções gigantescas, tendo sofrido, sido surrado, apedrejado, preso, naufragado, e ainda assim, alcançado o propósito desejado. Um homem que, mesmo com todo o peso da responsabilidade sobre seus ombos, se permitia continuar sendo humano, "explodindo" de vez em quando, sendo grosso às vezes, mas nunca deixando de ser sincero e verdadeiro. Empregando uma expressão que a minha avó usava, esse Paulo era mesmo de veneta!

Tudo de bem!


(Continue acompanhando o blog... uma hora dessas a gente conversa sobre a questão da fé.)

domingo, 15 de setembro de 2013

Ultraman e o Carpe Diem


Foi assistindo à "Sociedade dos Poetas Mortos", de 1989, que tive contato pela primeira vez com aquela frase em latim. Ao conduzir seus alunos à galeria de fotos da escola, onde figuravam centenas de estudantes de outras épocas, o professor John Keating sussurra em seus ouvidos: "carpe... diem... carpe... diem... aproveitem o dia"! Lembrando aos seus pupilos de como a vida é passageira, de como o tempo passa depressa, o mestre lhes mostrava que todas aquelas vidas que estampavam os retratos já se tinham ido. Todos os feitos, grandes e pequenos, foram legados daquelas pessoas que já morreram. E, nas fotos, exibiam um vigor e uma chama de vida que parecia que jamais os abandonariam. Portanto, era necessário se lembrar de que aproveitar as oportunidades era de suma importância, porque a vida, os momentos especiais, não são tão duradouros.

Aprendi essa lição ainda cedo, mais cedo do que a sessão na qual vi o filme que acabo de citar. Foi assistindo as lutas do Ultraman contra os monstros que surgiam a cada episódio, no seriado de mesmo nome, criado em 1966. Cresci assistindo e sendo influenciado por essas produções japonesas, e o Ultraman, acredito, não seja só o maior expoente dessa linha, como também um dos maiores ícones da cultura pop nipônica e mundial. Acontece que o Ultraman, após aparecer na tela, tinha apenas 3 minutos pra derrotar o inimigo, senão, adeus. Em seu planeta de origem, um sol artificial gerava a energia vital de que todos seus semelhantes necessitavam, mas o sol da Terra não é suficiente para isso, e só lhe concede poucos minutos de atividade. O herói caiu na Terra ao perseguir uma criatura fugitiva, e na queda, acabou matando por acidente um membro da Patrulha Científica, Hayata. Assim, o ser alienígena se aloja no corpo do patrulheiro, gerando uma relação simbiótica, na qual permite que o humano continue vivendo, mas cedendo espaço à aparição (transformação) do grande guerreiro quando há a necessidade.

E é nesse aspecto que está o carpe diem de Ultraman: por mais difícil que seja a ameaça, ele tem que resolver a situação em 3 minutos, caso contrário, sua energia se acaba e ele cai como se estivesse morto. Cada segundo para ele é vital, e às vezes ele precisa mudar suas estratégias várias vezes para dar cabo de seu algoz. Nada me parecia mais didático na questão de aproveitar o momento, do que ver aquele super herói se virar em tão pouco tempo. Ele possui uma luz colorida no peito que pisca mais rápido à medida que a energia vai se consumindo... e muitas vezes isso gerava um suspense danado! Só no último episódio que isso de fato acontece: o inimigo dá muito mais trabalho e a energia do herói se esgota totalmente... a Patrulha Científica consegue dar cabo do monstro, e um conterrâneo do Ultraman vem à Terra para levar seu colega desfalecido de volta pra casa.

E tem mais uma coisa que quero dizer acerca desses heróis que dependem da energia solar. O Superman, personagem norte americano muito mais popular que o Ultraman, também precisa da energia do nosso sol, mas ao contrário do gigante japonês, o sol amarelo da Terra tem radiações que afetam de forma muito benéfica o kryptoniano. Se em seu planeta natal ele seria uma pessoa comum, em nossa atmosfera ele adquire super poderes que fazem dele um ser quase imbatível, podendo voar, arremessar rochedos e enxergar através das paredes com visão de raios-x. E dito isso, dou um ponto pro Ultraman, sabe? Ele consegue ser um super herói que se vira muito melhor apesar de todas suas desvantagens! "Carpe diem" com o Superman é fácil... se não aproveitou o momento, é só girar a Terra ao contrário e conseguir uma segunda chance! Agora, se a gente quer mesmo uma lição de "carpe diem" pra valer, o negócio é "se virar nos trinta", ou melhor, "se virar nos 3 minutos"!

Tudo de bem e aproveitem o dia!


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O trânsito que nos transforma - Parte II


Há algum tempo atrás, uns 20 anos eu creio, colar um adesivo cristão no vidro do carro era uma atitude de coragem, e de assumir publicamente quem era o seu Senhor. Tanto que me lembro, na empresa em que eu trabalhava, onde a maioria dos funcionários era cristã, um dos meus superiores teve um problema sério com as consequências de um pecado cometido e rompeu a comunhão com a igreja. Mas continuou na empresa. O adesivo que havia no vidro traseiro do seu carro "Jesus é paz", ele mandou tirar. Se tirou, porque não tinha mais a paz que só Jesus pode dar, ou se tirou porque o adesivo não testificava mais com seu padrão de comportamento, isso eu não sei. Mas tirou porque incomodava, não combinava mais consigo.

Muita coisa mudou nestes 20 anos, e hoje quase todo mundo coloca em seu veículo adesivos que remetem a uma espiritualidade que pode ser verdadeira, ou não. Parece que está na moda ser evangélico, ou algo assim... passou a ser popular e até uma questão se status, ostentar algum penduricalho que remeta a Jesus, a Deus ou ao cristianismo em geral. Mesmo que Deus ou a pessoa de Jesus não estejam em seus lugares apropriados de honra, respeito e soberania, em frases como "propriedade exclusiva de Jesus": Ora, se é exclusiva de Jesus, o cabra que tá lá no volante não deveria estar dirigindo o carro, não é? Mas, como tem cada carro caindo aos pedaços usando esse adesivo, melhor não incomodar o Mestre.

E nem só de textos de gosto duvidoso vivem certos carros adesivados. Curiosamente, esses veículos possuem pessoinhas dentro, que parecem não se importar com a mensagem que está estampada nos vidros. Muitas delas dirigem como se a pista (ou, as pistas) à sua frente lhes pertencesse, andando à velocidade que bem escolhem, e não aquela regulamentada pelas leis de trânsito. Se possível, ficam digitando no smartfone, enquanto dirigem na faixa da esquerda naquela avenida bem movimentada. Dobram as esquinas, mudam de faixa e param repentinamente para estacionar sem ligar a seta. Não dão chance ao motorista que aguarda numa via secundária, ao invés disso, viram o rosto fingindo que não o viu. Na rodovia, ultrapassam a toda velocidade pela direita, tirando aquela "fina" do caminhão. E quando surge um engarrafamento, não dão uma de bobo: vão pelo acostamento... afinal, são filhos do rei, e isso lhes confere grandes vantagens!

Parece que a época em que poderíamos esperar mais de alguém que estampa "Nas mãos de Deus" em seu carro, já se foi. Isso não é mais sinal de bom testemunho, infelizmente. Confesso que fico irritado quando vejo algum motorista fazendo "aquela" barbeiragem, e tem lá o peixinho colado no porta-malas. Mas logo me lembro do que disse antes: adesivos assim estão por toda a parte, que nem aquele da "familiazinha". Além do mais, às vezes o sujeito pegou o carro emprestado daquele irmão em Cristo, que é bom motorista. Às vezes, o cara comprou o carro e não deu tempo de tirar o adesivo. Às vezes, ele nem sabe o que significa aquela plaquinha cromada. Semana passada, passou por mim um carro na BR-101, que tinha dois adesivos na traseira: à esquerda, o peixinho, símbolo do cristianismo, usado desde os primórdios da igreja até como símbolo secreto para os irmãos se identificarem durante a perseguição... e à direita, um adesivo em que se lia "Só dou carona pra quem me dá". E então, preciso dizer mais alguma coisa?

Olha lá que adesivo tu vai colar no teu carro... e tudo de bem!



sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A renúncia da própria humanidade


Recentemente, passei a rever a antiga série de tv Além da Imaginação (Twilight Zone). Ontem, assisti ao 12º episódio da segunda temporada, "Dust", onde um homem é condenado à forca por ter atropelado e matado uma garotinha. As histórias acerca do velho oeste americano sempre nos mostraram a incomplacência dos homens que viveram naquela época e lugar, e aqui o caso não é diferente, como passarei a contar. O condenado de origem mexicana não teve sequer a chance de um julgamento, indo pra cadeia na mesma noite em que, após se sentir impotente diante da família que passa fome, vira goela abaixo sua última garrafa de uísque e sai desesperado em uma inconsolável cavalgada, provocando o acidente fatal. A execução fica então agendada para o dia seguinte.

E por mais lamentável que seja a morte de uma criança, pior é ver a avidez que os moradores da cidadezinha têm por mais sangue derramado, chegando com roupas de domingo pra ver o enforcamento. Carroças vão estacionando, trazendo famílias inteiras, e os pais orgulhosos por mostrarem os filhos, ainda na tenra idade, como é que se paga olho por olho, dente por dente.
Uma vida sendo tirada em público se torna uma atração sem igual, tanto para aquelas pessoas ignorantes desta história, como foi na idade antiga, ou na idade média, ou moderna, ou mesmo hoje. É sempre espantoso como o cumprimento de uma sentença de morte é atraente às massas.

Diante do povo excitado que aguarda a morte do homem, além de ter que se incomodar com um certo vendedor ambulante que perturba e caçoa o tempo todo do réu, o xerife, conhecendo de fato o que aconteceu, permanece de lado, soturno e melancólico, tentando cumprir seu dever da melhor forma possível. Ele sabia que foi um acidente, ele sabia que não havia intenção nenhuma de matar, que o homem já estava sofrendo o suficiente, mas o sistema determinava o que deveria ser feito, e contra a "lei" ele nada podia fazer.

Ao ver a imagem do ser humano à sua volta, retorcida pelo ódio e por vingança, clamando por mais um pescoço quebrado, o velho xerife solta a frase que me levou a escrever este post: "Em que dia mesmo Deus criou as pessoas? No sexto? Ele deveria ter parado no quinto!"

Desde quando nós passamos a nos estranhar tanto, a ponto de não nos reconhecermos mais como os seres feitos à imagem e semelhança do Altíssimo? Desde quando olhamos a crueldade do nosso semelhante e não nos identificamos mais com ele, a ponto até de acharmos que somos de uma outra raça? Desde quando começamos a pensar que somos diferentes, menos cruéis, mais "bonzinhos"... desde quando? Me parece que essa estranheza que sentimos, quando os nossos iguais se comportam como bestas-feras, já vem de muito tempo. Ela nos incomoda, e até nos faz questionar se Deus sabia que tudo isso iria acontecer, quando fez o homem.

Eu acho que sim, Ele sabia. E mesmo assim, preferiu evitar criar autômatos sem vontade e nos deu o privilégio da escolha. Assim, podemos evitar nos juntar a uma turba de criminosos, e corrermos para perto do Pai e seguimos seus conselhos. Isso não nos torna diferentes dos demais, nem menos pecadores, mas nos dá a chance de fazer as coisas de outro modo, do jeito que o Pai gosta. É bem melhor assim, do que preferir que as pessoas jamais fossem criadas... bem melhor do que renunciar à nossa própria humanidade.

Tudo de bem e de melhor pra vocês.

 
(Ah, eu não disse antes, mas o nome do episódio se refere a um certo pó mágico que o vendedor ambulante oferece ao pai do condenado para o salvar... bem, se não tivesse um elemento assim na história, não seria "Além da Imaginação", seria?)

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Giant Robo: um legado paterno de 1.500 toneladas

Não há como esconder meu interesse por robôs desde muito criança. Sempre que eu via um tipo diferente, seja em filmes, desenhos animados ou gibis, tentava desenhar. Tenho guardado até hoje um rabisco que eu fiz do robô da série Perdidos no Espaço. Eu ficava impressionado com a tecnologia avançada que o mundo da ficção científica me apresentava, onde o homem era capaz de criar uma máquina com aparência e comportamentos humanos, e cumprir ordens de maneira imediata. Tinha aqueles do tipo mordomo, alguns do tipo operário, e aqueles com super equipamentos, que podiam voar e disparar raios. E tinha também os gigantes...

Conheci o Robô Gigante na série live-action japonesa de 1967, que na época da minha infância passava na extinta TV Tupi, e teve uma reprise no inicio dos anos 80 na TV Record. O seriado, baseado no mangá de Mitsuteru Yokoyama, contava a história de um garoto chamado Daisaku Kusama, integrante da equipe de defesa terrestre Unicórnio, que luta contra os malfeitores da gangue BF. Curioso como nessas séries um menor de idade pode fazer parte de organizações assim, e lidar com situações pra lá de perigosas... bem, um dia, ao tentar salvar um cientista que foi sequestrado e forçado a construir um robô colossal para o BF, Daisaku acaba gravando a própria voz no controle remoto do robô - um relógio de pulso - sendo que a primeira pessoa que o fizesse, teria controle total sobre a máquina. Assim, além de desmantelar a base de operações dos seus inimigos, o esquadrão Unicórnio passaria a contar com um incrível aliado na sua luta incansável contra os BF, cujo líder era um alienígena terrível chamado imperador Guilhotina. Assim, foram 26 episódios de muita ação e lutas titânicas entre o Robô Gigante contra monstros e outras ameaças mecânicas criadas pelos asseclas do imperador extraterrestre. O nome dessa série nos EUA era Johnny Sokko and his Flying Robot. Humm... interessante o título destacar o fato do robô voar, e não o seu tamanho.

Em 1992, fiquei sabendo que o diretor de animação Yasuhiro Imagawa iria estar à frente de um projeto chamado Giant Robo: The Animation, que traria de volta às telinhas as aventuras de Daisaku Kusama e seu enorme companheiro de aço. Eu confesso que fiquei empolgado em imaginar todo aquele cenário da antiga série, retratado num anime, onde a criatividade não estava presa às amarras dos efeitos especiais de estúdio, nem às pessoas em fantasias de borracha. Eu ficava imaginando como seria aquele mostro que era praticamente um grande olho com pernas, ou aquele que parecia uma arraia, agora na versão animada. Para minha (breve) decepção, o roteiro era totalmente diferente agora, muito mais centrado nos personagens e na trama, um tanto complexa, do que nas lutas-de-derrubar-prédios. Já não havia mais monstros, ou alienígenas, ou uma luta muito bem definida do bem contra o mal. Agora o inimigo era alguém muito mais próximo, alguém em que se podia confiar. Tudo começa com a tragédia de Bashtarle, onde uma cidade foi varrida da face da Terra, quando um renomado cientista chamado Franken Von Vogler detona um conjunto de dispositivos chamados Shizuma Drive, que são a fonte de energia revolucionária mais recente no mundo, e cuja importância está centralizada na trama. Logo se vai descobrindo que a BF (designada aqui como Big Fire) está por trás de tudo, e a dominação mundial é o seu objetivo. O filho do Dr. Vogler, Genya, sai em retaliação contra o mundo que acusa seu pai de genocida, a bordo de uma gigantesca máquina de destruição, o Vogler's Eye. É hora do Robô entrar em ação.

Contei tudo isso, apenas pra chegar aqui.
O anime Giant Robo, lançado para o mercado de vídeo em 7 episódios, nos brinda com uma subtrama mais interessante do que parece. Atrás das batalhas cheias de ação, com animações de cair o queixo - garanto que não estão muito datadas - somos surpreendidos com uma tocante história de pais e filhos. Além da conturbada relação entre o doutor Von Vogler e seu filho, obcecado por vingança e domínio, ainda temos uma relação mais silenciosa e profunda, vinda da figura do gigantesco robô e Daisaku. Diferente do antigo show de tv, nessa história, o cientista que constrói o robô sob ordens da Big Fire é o pai de Daisaku, o prof. Kusama. Em cativeiro, ele desenvolve e constrói uma máquina gigantesca, humanóide e com cara de esfinge, movida a energia nuclear, armada com canhões, mísseis e bombas. Mas além disso, ele insere também em sua criação, muito amor e um forte desejo de proteger seu filho de tudo nesse mundo. Ele nunca contou a seu filho tudo o que sentia por ele, mas todo esse sentimento foi posto em prática após sua morte. A ideia do controle do robô estar nas mãos de Daisaku contrariou - e muito - os líderes da organização, e o professor Kusama é assassinado. Diante do corpo baleado do pai, o pequeno Daisaku é tomado por violentas emoções, o robô é ativado, e ambos fogem juntos da base secreta.

A partir daí, a IPO, uma espécie de polícia internacional, fica com a guarda de Daisaku e também da posse do Robô Gigante. Ambos passariam a trabalhar em conjunto para livrar a Terra das ameaças constantes da BF. Em cada batalha, a relação de Daisaku com o robô é colocada em evidência, e parece mesmo que algo habita o ser metálico, algo que zela e preserva o garoto de todo o perigo, mesmo quando uma ordem não é dada no relógio de comando vocal. Às vezes, temos a nítida impressão de que o robô age de forma independente, mesmo que isso aparentemente não fosse possível. No final do primeiro episódio, por exemplo, Daisaku e outros membros da IPO estão há quilômetros de distância da base, onde fica o hangar do robô, e assim que o menino fica em perigo, o gigantesco sentinela se solta de suas amarras de segurança e alça vôo em auxílio imediato.

Daisaku foi levado a vários conflitos ao longo da história, alguns externos é claro, mas os mais terríveis foram os internos. O fardo, a tremenda responsabilidade que ele sentia por ser o operador de uma das máquinas mais poderosas da Terra, constantemente o colocavam em crise, e sentia muita mágoa do seu pai. Mágoa por o ter colocado nessa situação, e principalmente, por não estar mais ali ao seu lado. Ele viveu com essa dor por muito tempo, até que, chegando no fim da trama, uma revelação é feita que o leva a mudar drasticamente de pensamento. Após o robô ser severamente danificado no olho esquerdo, Daisaku entra em parafuso com a possibilidade da derrota, mas é tomado por um momento de epifania, quando parece ver seu pai o chamando de dentro dos circuitos da grande máquina. Agora tudo estava claro: seu pai nunca o havia abandonado, ele sempre estivera ali, junto com sua criação, cuidando e lutando ao seu lado!

Pra mim, ver Daisaku se alojando dentro da cavidade ocular do Robô Gigante, enroscando seus braços e cintura nos cabos e fios da cabeça gigantesca, foi uma cena memorável! Se sentindo seguro de verdade depois de tanto tempo, ele assume a posição ofensiva e vai à luta, desta vez para a vitória. Ali, ele entendeu. Entendeu que nunca esteve sozinho, apenas controlando uma máquina, mas esteve sob a forte mão protetora de seu pai que, se estivesse realmente ali, em carne e osso, não poderia enfrentar aquela batalha. Mas o gigante poderia. O legado de seu pai era extremamente forte, e era tudo de que o filho precisava. Mais gigantesco do que a máquina que criou, era o desejo de proteger e cuidar do seu filho, mesmo após sua morte. Esse é um legado que todo pai deveria deixar a seus filhos: a certeza de que estes poderão enfrentar a vida, mesmo quando se sentirem desamparados, mesmo quando parecer que ficaram órfãos.


 E, é claro, tudo de bem pra você!