quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Dois reis


No final de Breaking Bad, a sensação foi de ter visto uma das melhores séries de tv de todos os tempos. A opinião de público e crítica foi quase unânime. Apesar de Lost ter durado muito mais e nos apresentado a uma gama mais ampla de personagens carismáticos, foi na história do professor de química que se torna traficante de drogas que encontramos uma maior verossimilhança com a realidade. Além, é claro, do fato de que os escritores souberam quando dar um fim à história, que não foi o caso de Lost, pois os sobreviventes do voo 815 da Oceanic Airlines tiveram que se esticar e se reinventar em incessantes reviravoltas de roteiro, além de um final que agradou a poucos.

Quando digo que Walter White se tronou um "drug dealer", eu estou diminuindo bastante os fatos. A verdade é que, ao ser diagnosticado com câncer, o cara achou que antes de morrer deveria deixar uma situação financeiramente estável para sua família - a esposa, grávida na época, e um filho adolescente - e o salário de professor não era o suficiente nem lá nos EUA como também não é aqui. Seu cunhado, agente policial da divisão de narcóticos, durante uma festa na casa de Walter, exibe o vídeo de uma apreensão de drogas, onde aparece uma enorme quantidade de dinheiro que estava em posse dos traficantes. Foi nessa hora que o professor teve um "estalo". - Porque não? deve ter pensado ele, alguém que não tinha mais nada a perder, em sua pobre concepção do que realmente significa perda. 

Aliás, é este o conceito que dá nome ao seriado. O termo em inglês "breaking bad" quer dizer, mais ou menos, "indo pro lado mau/dos maus" ou "chutando o balde", numa tradução muito mais livre. É a atitude de quem acha que todos os seus esforços não deram em nada, de quem se acha um fracasso, de quem se cansou de agir conforme os parâmetros da sociedade, do bom-caráter, de noções de moral e bons costumes. Ele se cansa justamente por não receber méritos nem recompensas por ter vivido assim até então. É a atitude de quem se questiona porque tem que dar bom exemplo, se os outros não dão. "O que eu ganho com isso?", é a pergunta mais frequente.

Então, formando parceria com Jesse Pinkman, um jovem que foi seu aluno de química no colégio, e que atualmente está envolvido com tráfico de drogas, Walter White passa a fabricar a droga sintética conhecida como metanfetamina, a melhor do mercado, e gradativamente vai galgando os escalões do crime organizado, passando por cima de qualquer um para alcançar o que mais almeja: o título de "rei" do tráfico de entorpecentes. O que antes era um "trabalho" com data pra começar e pra terminar, pra juntar o valor que ele achava suficiente pro sustento de sua família por um bom tempo, se transforma em uma obsessão, um capricho desmedido, uma vaidade insaciável por poder e admiração. Adota o nome de Heisenberg, como fica conhecido por todos os que fazem negócios com ele.

O problema é que, assim como gentileza gera gentileza e as virtudes sempre produzem bons frutos, também a maldade nunca fica impune, e a inexperiência de Walter, aliada à sua ganância, o colocam a ele e sua família - alheia a respeito de suas atividades a maior parte da série - em uma enrascada após a outra. Sempre que ele comete um erro, esse erro gera consequências absurdas, que também precisam ser remediadas. E ao remediá-las, novas consequências ainda piores vão surgindo e o sugando ainda mais para as trevas, num caminho praticamente sem volta. É como assistir ao Mr. Bean, só que ao invés de rir, a gente sofre e lamenta. Para mais detalhes, assistam ao seriado (quero dizer Breaking Bad, não Mr. Bean).

Na última conferência bíblica que ocorreu na comunidade em que congrego, os temas abordados eram todos ligados ao rei Davi, sua queda e a sequência de erros que ele cometeu, abrindo a porta para que o pecado arruinasse toda a sua família. Comecei a fazer comparações entre a história bíblica e a série que acabara de ver. Tiveram origem humilde e ascenderam a uma posição de prestígio? Check! Se tornaram reis (cada um à sua maneira)? Check! Se deixaram corromper pelo poder? Check! Suas famílias pagaram caro por isso? Check!

O rei Davi tinha um histórico de vida praticamente impecável, tudo o que conquistou foi graças ao Deus a quem servia. Começou derrotando um gigante ainda jovem, depois se livrou de um rei louco que o perseguia, ele próprio foi ungido rei de Israel, lutou com seus exércitos e triunfou todas as vezes. Até o dia em que baixou a guarda. Estando com todas as suas necessidades básicas satisfeitas, deixou de estar nas batalhas e passou a ficar em casa, ocioso. Passeando no terraço do palácio, vê a mulher do vizinho tomando banho e a deseja. A deseja e a possui. Tenta enganar o marido dela, não consegue e o manda de volta pra zona de guerra, e mexe uns pauzinhos pra botar o cara na linha de fogo, e já era. Para mais detalhes leiam o segundo livro de Samuel.

Como é que um "homem segundo o coração de Deus" me faz uma bobagem destas? Se para Walter White podemos dar um desconto, pois de Deus não se lembra nem se comenta, o que diremos de Davi? Como é que estes dois reis cometeram atrocidades semelhantes, e tentaram "consertar" a besteira que fizeram com outra ainda pior? E a coisa só vai piorando, pois é da natureza humana tentar resolver uma cag situação ruim por si só, desconsiderando a princípio toda ajuda que lhe é oferecida, e tentam tapar o sol com a peneira. Lembram de Adão e Eva? Então. Só que eles tentaram tapar com outra coisa. Moral da história? Todo homem é falho, todo homem é corruptível, todo homem é tentado e provado... tanto os que são exemplo de vilania como os que são exemplo de virtude.

O que muda pra gente é: em quem colocamos a nossa confiança? O sr. White sempre confiou muito em si mesmo, no seu julgamento, em sua inteligência e em suas capacidades acadêmicas. Já o rei Davi sempre confiou no Senhor seu Deus... até aquele dia fatídico na varanda. Naquele dia, o homem que era rei porque Deus quis, o homem que tinha toda aquela riqueza porque Deus quis, vencia todas as batalhas em nome do Senhor e que também podia ter várias mulheres porque assim lhe era consentido por Deus, simplesmente achou que ele era isso tudo e decidiu passar a confiar em seu próprio julgamento. Pensou que era "brother" de Deus e que o Senhor talvez iria fazer vista grossa. Tudo ia bem até que o profeta Natã bateu em sua porta, trazendo o veredito do Senhor que afetaria o destino de toda a família real. Aí, meu amigo... aí a "casa caiu".

A diferença do que acontece no fim, entre estes dois homens, é que um deles sabia da existência do amor e do perdão que só Deus pode conceder, o outro não. A saída pra um foi o arrependimento verdadeiro, pro outro não posso contar porque tem gente que ainda não viu o final de Breaking Bad.

Tudo de bem.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O perigo de passarmos dos limites


O anime Claymore está no meu "Top 10": direção de arte, música, animação... tudo de excelente qualidade. Mas o que mais me chamou atenção foi a história. Num mundo aparentemente situado na idade média, criaturas demoníacas conhecidas como "Youma" se tornaram um verdadeiro pesadelo para a humanidade. São predadores vorazes que se alimentam das vísceras das pessoas, atacam em bandos ou simplesmente alteram sua aparência para a forma humana e se infiltram nas cidades, assaltando as casas à noite. Para caçar e destruir os youmas foram criadas as guerreiras chamadas de Claymores - em alusão à imensa espada que carregam - que podem detectar a presença das criaturas, mesmo disfarçadas, e eliminá-las com eficiência. As Claymores são em geral belas mulheres, que possuem olhos prateados e cabelos claros. Elas têm força e agilidade muito superior à média humana, além de poder detectar o "youki", a energia espiritual dos youmas.

O segredo por trás desses poderes está no fato de que, para criar uma Claymore, carne e sangue de youma são implantados no corpo destas mulheres, fazendo-as seres híbridos, meio humanas e meio youmas. Clare, a protagonista da história, se ofereceu de livre e espontânea vontade ao processo de transformação, impelida por um forte desejo de vingança contra os youmas, que mataram primeiro sua família, depois a Claymore Teresa que a adotou. Gostaria de falar mais sobre detalhes do enredo e da misteriosa Organização por trás de tudo isso, mas o mais importante aqui é falar a você sobre o "calcanhar de Aquiles" do poder que as Claymore possuem: a necessidade constante de autocontrole.

Assim como os youmas, as Claymore também tem youki, a energia que lhes dá o poder sobre-humano que as capacita a realizar seus feitos incríveis. Quanto mais elas abusam desse poder, mais perto de perder controle sobre ele elas ficam. Quando uma Claymore está no calor da batalha, ela precisa controlar sua raiva, seu medo e seu sofrimento, para que seus poderes não saiam do controle. Quando isso começa a acontecer, primeiro seus olhos mudam de cor, passando do prateado para um dourado brilhante, depois o rosto começa a ficar deformado... se forçar mais o corpo passa a ter características de um youma... se a situaçao continuar, a mente vai ficando confusa, e o lado youma começa a assumir o controle. Depois de um tempo nessas condições, a Claymore chega a um ponto onde não consegue voltar atrás, e se transforma de vez em um tipo de youma mais forte, mais inteligente e muito sedento por sangue: o kakuseisha, que significa "o despertado".

O interessante é que o processo de liberar o youki dá ao usuário desse poder uma incrível sensação de prazer, o que torna todo o processo de parar a transformação algo que exige uma forte dose de autocontrole. Por isso só existem Claymores mulheres, os resultados com homens foram péssimos... dentre os que sobreviveram, todos se tornaram kakuseishas! (uééé... porquê será?)
Depois da transformação - ou, despertar - ainda ficam resíduos da consciência humana no kakuseisha, mas estes são dominados facilmente pela incontrolável sede de sangue que acaba de surgir, além da sensação de alívio sentida por não ter mais os antigos conflitos humanos. Sem mais dilemas de moral, nem regras a serem seguidas, somente o prazer e a auto satisfação!

Meu irmão e eu assistimos a essa serie praticamente juntos, só que eu aqui e ele em São Paulo, e na época discutimos bastante sobre a singular semelhança que existe entre os efeitos do youki e do pecado. A palavra "kakuseisha" era muito empregada entre a gente naquele tempo, pra fazer alusão àqueles que se deixavam dominar pelo pecado, chegando num ponto em que o próprio indivíduo já se mostrava sem forças e sem vontade alguma em voltar à antiga forma. E quando falo de pecado cometido, falo de qualquer pecado, já que desde o considerado "menor" tem a capacidade de fazer um furo em nossa suposta armadura. O paralelo que Claymore faz com a vida espiritual é fascinante: num momento você é o herói, aquele dotado de força e de recursos pra resolver qualquer parada, mas que, ao começar a curtir todos os acertos a glória do momento - seja o do instante ou o da vida - deixa com que a soberba lhe suba à cabeça. E uma vez que sobe à cabeça e encontra lugar no coração, vai lhe dando mais e mais satisfação, mais prazer, mais sensações boas demais para serem negadas. Aí, meu amigo... é kakuseisha!

Por isso toda a Escritura está cheia de advertências sobre termos autocontrole. O apóstolo Paulo cita o domínio próprio como uma das partes (gomos?) que compõem o fruto do Espírito. Os provérbios de Salomão fazem referência a isso muitas vezes. Jesus era um exemplo vivo de temperança, resistindo a inúmeras provações simplesmente por amor. Todos nós precisamos, urgentemente, buscar por essa virtude em nossas vidas. Somos seres manchados pelo pecado desde o nascimento, é fato, por isso temos que aprender a conviver com essa pendência até o dia da nossa redenção. "Pecamos porque somos pecadores, e não o contrário". Se o pecado é algo inevitável, por ser algo ligado à nossa natureza - como o "youki" - e não somente às nossas atitudes, precisamos da Graça diariamente... não, a cada segundo, para resistirmos e continuar lutando mais um dia!
Morte aos youmas!!!... (tô brincando)


Tudo de bem e se controle, faz favor.


                                                                     
                                           Abertura e encerramento da série:


                                                                       



                                         Claymore disponível também em mangá:




sábado, 19 de outubro de 2013

Os 3 pilares do blogueiro


Talvez alguns colegas vão discordar, mas acredito que, passada a empolgação inicial de se escrever um blog, todos se deparam com a árdua tarefa de reunir três elementos, três pilares que juntos, podem permitir ao escritor - seja de blog ou não -  que haja sinal verde para a próxima postagem.
São eles o tempo, a disposição e a inspiração. Quando falta apenas um deles, a coisa não anda.

Às vezes temos tempo e disposição, mas a inspiração não vem. Temos até uma ideia do que escrever, um tema recorrente em nossa mente, mas que carece de corpo, de sustância. Mesmo pra mim, que definiu regras pra si próprio no começo do blog, como por exemplo "não escrever textos longos", fica difícil. Porque mesmo em textos curtos, objetivos, tem que haver harmonia entre o início, o meio e o fim. E a inspiração pra fazer algo assim, simplesmente não aparece.

Às vezes temos tempo e inspiração, mas falta disposição, ou mesmo saúde. Tem aqueles dias em que a gente chega muito cansado do trabalho, principalmente quando o cansaço é mental. Além do cansaço, pode ter aquela visita inesperada da dor de cabeça, dor nas costas... enfim, não dá pra se dedicar a algo que em tese deveria ser prazeroso, numa situação onde o que a gente mais quer, é mesmo uma cama.

Às vezes temos disposição e inspiração, mas cadê o tempo pra escrever? Além do horário comercial de trabalho, nosso dia-a-dia está cheio de compromissos sociais. Estudos, academia, reuniões religiosas, encontros com amigos... tudo isso vem como prioridade, antes do blog. Além do mais, que adianta vir aqui escrever sobre filmes, series, animes, games e livros, se não posso reservar tempo pra assistir filmes, series e animes, jogar os games e ler os livros? Rá!

Se o seu blog favorito publica os posts com frequência regular, com qualidade e originalidade, respeite muito o autor: ou seu trabalho é profissional (ele ganha pra isso), ou ama muito seu blog e seus leitores, a ponto de dar-lhes uma prioridade bem diferente da habitual!

Tudo de bem!



segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Memórias são vitais, mesmo as ruins


Se você pudesse eliminar todas as más lembranças de uma vida, você o faria? E apenas uma lembrança, aquela que parece te impedir de seguir em frente? É uma boa pergunta, não é? Alguém teve a ideia de transformar o conceito dessa pergunta em um filme, e surgiu "Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembraças", de 2004. Escrito por Charlie Kaufman e Michel Gondry, o longa conta a história de Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet), um casal apaixonado que, após algum período de muita alegria, vivem um relacionamento que aos poucos vai se deteriorando, e resolvem se separar e tentar seguir cada um com a sua vida. Só que, como ambos sofrem demais em lutar contra a dor do rompimento, eles resolvem, sem que um suspeite do outro, procurar uma clínica que é especializada em "apagar memórias". Joel quer viver como se nunca tivesse conhecido Clementine... e Clementine quer apagar o Joel de suas lembranças também.

A clínica deste mundo fictício se chama "Lacuna" não por acaso, uma vez que, após submeterem o paciente a um processo invasivo em sua mente, este não se lembrará mais do motivo que o faz sofrer, seja um tempo, um lugar, ou uma pessoa. Fica no lugar dessa memória, uma lacuna mesmo, um vazio, onde antes existia algo substancial. Durante a sessão em que aparelhos são conectados ao paciente que dorme em sua cama, a equipe faz uma "limpeza" pela casa, coletando todos objetos que poderiam fazer conexão com a pessoa a ser apagada da lembrança: cartões postais, presentes, roupas ou CDs. Tudo previamente listado pelo sofredor em questão.

O filme mostra o que podem fazer duas pessoas que se amam, mas que não conseguem mais viver em harmonia. Ao invés de compreender, relevar, abrir mão, a solução tomada é o rompimento. Fica claro para o espectador o quanto os dois podem ser felizes, o quanto eles se completam... mas pequenas coisas, como a mudança de humor, o estresse, a comunicação inadequada, podem fazer com que um relacionamento termine da pior forma. E estes dois, ao se separarem, percebem a idiotice que cometeram, mas o orgulho não deixa com que voltem atrás, então sofrem profundamente. A sequência marcada pela belíssima versão de "Everybody's Gotta Learn Sometime", interpretada por Jeff Beck, é tocante, e mostra exatamente este momento da vida do casal separado. O que fazer então? A Lacuna Incorporated está aí pra isso! Recorrem a esse recurso para "deixar de sofrer". Não é o que todo mundo quer? Felizmente, durante o processo de apagar a memória, Joel percebe o quanto Clementine é importante, o quanto ele a ama, e em sua mente - e na sequência mais espetacular do filme -  ele passa a lutar contra o "processo de apagamento" e tenta salvá-la em algum lugar de sua mente, no qual poderá lembrar dela de novo. Lágrimas.

Voltemos à realidade. Ainda bem que não existe uma companhia, empresa ou clínica especializada em fazer coisas desse tipo. Não ainda. Porque, apesar da dor que podem nos causar, nossas memórias são em grande parte responsáveis por fazer de nós quem somos. É através de aprender com nossos erros e acertos que vamos nos adaptando, melhorando, aperfeiçoando nas diversas áreas da vida. Imagine se pudéssemos apagar de nossa mente uma tremenda tolice que cometemos no passado, e que nos faz sofrer muito quando lembramos? Nesse processo, eliminaríamos também todo o aprendizado que tiramos do tal episódio, e poderíamos cometer a mesma tolice novamente. Lembrar de coisas horríveis que fizemos no passado nos leva a ponderar sobre quem fomos e quem somos agora. E quem poderemos ser. Renegar as lembranças é renegar toda uma existência. Sei que temos prazer em recordar os bons momentos da vida, e isso é muito saudável. É saudável inclusive que desejemos repetir sempre que possível tais bons momentos, e sonhar com momentos ainda melhores! Mas os maus momentos estão aí em nossa cabeça, não para que possamos querer repeti-los, mas evitá-los. Agora imaginem, se existe gente aos montes que repete a mesma burrada mesmo após se lembrar da última que cometeu, imaginem se não pudessem se lembrar?

A memória sadia é uma dádiva de Deus. Precisamos agradecer por tê-la e fazer bom uso dela. A vida nos traz e continuará trazendo momentos de alegria, paz e satisfação, mas também os momentos de dor, sofrimento e angústia. Para estes últimos, não adianta querer esquecer, apagar das nossas lembranças, e sim, tratá-los com cautela. Cautela para que não nos afoguemos neles, a ponto de não podermos mais seguir em frente, mas receber apoio, compreensão e, porque não, terapia. Dentre a maioria dos casos, o mais difícil é lidar com o perdão. É praticamente impossível perdoar e esquecer. Perdoamos e dizemos que esquecemos, mas não... não esquecemos. Como um dia definiu muito bem a minha esposa, sobre os sentimentos que sucedem o perdão genuíno: "... já doeu muito, depois menos e cada dia um pouco menos, até deixar de doer. Mas esquecer, a gente nunca esquece". O extraordinário poder de esquecer pecados já perdoados só cabe a uma única pessoa: Jesus Cristo. A nós, só nos resta lidar e crescer com a consequência deles.



Tudo de bem.



quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Música eletrônica


Em meados de 1986, quando eu estava em meu primeiro emprego - estoquista em uma loja de moda masculina - fui apresentado a um artista que mudou meu gosto musical para sempre: o francês Jean Michel Jarre. Uma colega de trabalho (má oiiii!!!) me emprestou o LP "Revolution", e a música que ouvi ali me deixou numa mistura de impressionado/apaixonado pelos teclados e efeitos mirabolantes dessa que, pra mim, seria a música do futuro. Fui curtindo cada vez mais e comprando outros discos nas extintas lojas Mesbla e Shop Audio&Video, em Santo André. Com minha mania de que tudo tem que começar do começo, fui atrás do primeiro lançamento de Jarre, Oxygene, de 1976. Depois fui comprando tudo em ordem cronológica, Equinoxe, Magnetic Fields, Zoolook, e assim por diante. Numa época anterior à internet, onde toda mídia era obrigatoriamente física, o jeito era ir de loja em loja, ou importar. Felizmente, tudo o que eu queria estava à disposição na grande São Paulo, e fui aumentando minha pequena coleção de vinil, da qual nunca me desfiz, exceto por... eu conto no final.

Jean Michel é filho do também consagrado músico e compositor Maurice Jarre, autor das trilhas sonoras de filmes premiados, como Lawrence da Arábia, Dr. Jivago, Sociedade dos Poetas Mortos, Ghost, entre outros. Comecei a virar fã das trilhas sonoras de filmes também, e passei a procurar por esse tipo de música. Quando percebi que o material de Jarre era limitado, procurei por outros músicos que seguiam essa pegada eletrônica, e conheci os alemães do Kraftwerk. Achei o máximo, era um estilo bem diferente de Jarre, com mais uso de vocais, com músicas cantadas do início ao fim, como no caso de "The Model".

Depois de um tempo, conheci Vangelis, autor de músicas um tanto variadas, de estilo totalmente eletrônico, como a trilha de Blade Runner, ou clássico, como a premiada Carruagens de Fogo, do filme homônimo. Em seguida, veio Rick Wakeman, ex-tecladista do Yes. Eu gostei muito de seu trabalho, pois seus discos eram temáticos, faziam parte de um grande espetáculo musical, que contava as histórias do Rei Arthur ou da Jornada ao Centro da Terra. As faixas musicais eram intercaladas com a narração dessas histórias, e isso fazia nossa imaginação voar alto. Embora houvesse a opção de se importar vídeos desses shows e ver a performance de Wakeman no palco - geralmente vestindo túnicas chamativas, recriando o visual de um verdadeiro mago - o barato mesmo era ouvir e imaginar toda a cena na nossa cabeça. Tenho saudades dessa época, em que se valorizava o poder que a música tem de influenciar positivamente o nosso intelecto.

Esse pessoal foi pra mim na época, o que o Daft Punk é hoje. Só que com recursos que custavam muito mais caro, e exigindo muito mais da criatividade, além do próprio talento. Eu poderia citar muito mais artistas da música eletrônica daquela época, mas estes foram os mais expressivos. A maioria deles continua na ativa até hoje, e muitos de seus trabalhos, compostos nos anos 70 e 80, continuam atuais, dá pra ouvir numa boa, sem parecerem datados. Alguns expoentes da música eletrônica se misturam com outros gêneros, alguns tecladistas e até os considerados músicos da nova era. Ouvi Kitaro e adorei! Comprei a série de discos de um trabalho que ele fazia, chamado Silk Road, composto em vários volumes.

Música suave, contemplativa, muito diferente do industrial e pesado que ouvia no começo. O toque oriental de Kitaro era inspirador, e muitas vezes até melhorava minha dor de cabeça! Era só chegar em casa, deitar o bolachão na vitrola - um "três em um", na verdade - e deitar no sofá. A melodia era soberba, e me levava a viajar através das culturas e do tempo. Tudo ia bem, até o dia em que a música considerada "da nova era" começou a ser perseguida pela igreja cristã e considerada uma ameaça, uma intrusão da religião oriental em nossas mentes, em nossos lares. Fui então, contrariado, levar meus discos do Kitaro pra uma banca que vende/troca/compra discos e fitas k7. O que levei pra casa naquele dia, em troca dos Kitaro, nem me lembro mais. Mas o que deixei ali, naquela banquinha da rua Senador Fláquer, foi um material de valor pessoal único e também música de primeira qualidade. Além do quê, sem que eu soubesse na época, foi o gatilho que iniciou muitos questionamentos que eu faria na vida, acerca do que é sagrado e do que é profano.

Tudo de bem e de mais musical possível!


Um beijo pra você, Marcia Mariano, esteja onde estiver, e obrigado por me emprestar seu disco do Jean Michel Jarre!