segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Memórias são vitais, mesmo as ruins


Se você pudesse eliminar todas as más lembranças de uma vida, você o faria? E apenas uma lembrança, aquela que parece te impedir de seguir em frente? É uma boa pergunta, não é? Alguém teve a ideia de transformar o conceito dessa pergunta em um filme, e surgiu "Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembraças", de 2004. Escrito por Charlie Kaufman e Michel Gondry, o longa conta a história de Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet), um casal apaixonado que, após algum período de muita alegria, vivem um relacionamento que aos poucos vai se deteriorando, e resolvem se separar e tentar seguir cada um com a sua vida. Só que, como ambos sofrem demais em lutar contra a dor do rompimento, eles resolvem, sem que um suspeite do outro, procurar uma clínica que é especializada em "apagar memórias". Joel quer viver como se nunca tivesse conhecido Clementine... e Clementine quer apagar o Joel de suas lembranças também.

A clínica deste mundo fictício se chama "Lacuna" não por acaso, uma vez que, após submeterem o paciente a um processo invasivo em sua mente, este não se lembrará mais do motivo que o faz sofrer, seja um tempo, um lugar, ou uma pessoa. Fica no lugar dessa memória, uma lacuna mesmo, um vazio, onde antes existia algo substancial. Durante a sessão em que aparelhos são conectados ao paciente que dorme em sua cama, a equipe faz uma "limpeza" pela casa, coletando todos objetos que poderiam fazer conexão com a pessoa a ser apagada da lembrança: cartões postais, presentes, roupas ou CDs. Tudo previamente listado pelo sofredor em questão.

O filme mostra o que podem fazer duas pessoas que se amam, mas que não conseguem mais viver em harmonia. Ao invés de compreender, relevar, abrir mão, a solução tomada é o rompimento. Fica claro para o espectador o quanto os dois podem ser felizes, o quanto eles se completam... mas pequenas coisas, como a mudança de humor, o estresse, a comunicação inadequada, podem fazer com que um relacionamento termine da pior forma. E estes dois, ao se separarem, percebem a idiotice que cometeram, mas o orgulho não deixa com que voltem atrás, então sofrem profundamente. A sequência marcada pela belíssima versão de "Everybody's Gotta Learn Sometime", interpretada por Jeff Beck, é tocante, e mostra exatamente este momento da vida do casal separado. O que fazer então? A Lacuna Incorporated está aí pra isso! Recorrem a esse recurso para "deixar de sofrer". Não é o que todo mundo quer? Felizmente, durante o processo de apagar a memória, Joel percebe o quanto Clementine é importante, o quanto ele a ama, e em sua mente - e na sequência mais espetacular do filme -  ele passa a lutar contra o "processo de apagamento" e tenta salvá-la em algum lugar de sua mente, no qual poderá lembrar dela de novo. Lágrimas.

Voltemos à realidade. Ainda bem que não existe uma companhia, empresa ou clínica especializada em fazer coisas desse tipo. Não ainda. Porque, apesar da dor que podem nos causar, nossas memórias são em grande parte responsáveis por fazer de nós quem somos. É através de aprender com nossos erros e acertos que vamos nos adaptando, melhorando, aperfeiçoando nas diversas áreas da vida. Imagine se pudéssemos apagar de nossa mente uma tremenda tolice que cometemos no passado, e que nos faz sofrer muito quando lembramos? Nesse processo, eliminaríamos também todo o aprendizado que tiramos do tal episódio, e poderíamos cometer a mesma tolice novamente. Lembrar de coisas horríveis que fizemos no passado nos leva a ponderar sobre quem fomos e quem somos agora. E quem poderemos ser. Renegar as lembranças é renegar toda uma existência. Sei que temos prazer em recordar os bons momentos da vida, e isso é muito saudável. É saudável inclusive que desejemos repetir sempre que possível tais bons momentos, e sonhar com momentos ainda melhores! Mas os maus momentos estão aí em nossa cabeça, não para que possamos querer repeti-los, mas evitá-los. Agora imaginem, se existe gente aos montes que repete a mesma burrada mesmo após se lembrar da última que cometeu, imaginem se não pudessem se lembrar?

A memória sadia é uma dádiva de Deus. Precisamos agradecer por tê-la e fazer bom uso dela. A vida nos traz e continuará trazendo momentos de alegria, paz e satisfação, mas também os momentos de dor, sofrimento e angústia. Para estes últimos, não adianta querer esquecer, apagar das nossas lembranças, e sim, tratá-los com cautela. Cautela para que não nos afoguemos neles, a ponto de não podermos mais seguir em frente, mas receber apoio, compreensão e, porque não, terapia. Dentre a maioria dos casos, o mais difícil é lidar com o perdão. É praticamente impossível perdoar e esquecer. Perdoamos e dizemos que esquecemos, mas não... não esquecemos. Como um dia definiu muito bem a minha esposa, sobre os sentimentos que sucedem o perdão genuíno: "... já doeu muito, depois menos e cada dia um pouco menos, até deixar de doer. Mas esquecer, a gente nunca esquece". O extraordinário poder de esquecer pecados já perdoados só cabe a uma única pessoa: Jesus Cristo. A nós, só nos resta lidar e crescer com a consequência deles.



Tudo de bem.



2 comentários:

  1. Como não?
    https://www.facebook.com/pages/Lacuna-Inc/175177329176377

    Excelente, Claudião....conversaremos...

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