terça-feira, 3 de setembro de 2013

Giant Robo: um legado paterno de 1.500 toneladas

Não há como esconder meu interesse por robôs desde muito criança. Sempre que eu via um tipo diferente, seja em filmes, desenhos animados ou gibis, tentava desenhar. Tenho guardado até hoje um rabisco que eu fiz do robô da série Perdidos no Espaço. Eu ficava impressionado com a tecnologia avançada que o mundo da ficção científica me apresentava, onde o homem era capaz de criar uma máquina com aparência e comportamentos humanos, e cumprir ordens de maneira imediata. Tinha aqueles do tipo mordomo, alguns do tipo operário, e aqueles com super equipamentos, que podiam voar e disparar raios. E tinha também os gigantes...

Conheci o Robô Gigante na série live-action japonesa de 1967, que na época da minha infância passava na extinta TV Tupi, e teve uma reprise no inicio dos anos 80 na TV Record. O seriado, baseado no mangá de Mitsuteru Yokoyama, contava a história de um garoto chamado Daisaku Kusama, integrante da equipe de defesa terrestre Unicórnio, que luta contra os malfeitores da gangue BF. Curioso como nessas séries um menor de idade pode fazer parte de organizações assim, e lidar com situações pra lá de perigosas... bem, um dia, ao tentar salvar um cientista que foi sequestrado e forçado a construir um robô colossal para o BF, Daisaku acaba gravando a própria voz no controle remoto do robô - um relógio de pulso - sendo que a primeira pessoa que o fizesse, teria controle total sobre a máquina. Assim, além de desmantelar a base de operações dos seus inimigos, o esquadrão Unicórnio passaria a contar com um incrível aliado na sua luta incansável contra os BF, cujo líder era um alienígena terrível chamado imperador Guilhotina. Assim, foram 26 episódios de muita ação e lutas titânicas entre o Robô Gigante contra monstros e outras ameaças mecânicas criadas pelos asseclas do imperador extraterrestre. O nome dessa série nos EUA era Johnny Sokko and his Flying Robot. Humm... interessante o título destacar o fato do robô voar, e não o seu tamanho.

Em 1992, fiquei sabendo que o diretor de animação Yasuhiro Imagawa iria estar à frente de um projeto chamado Giant Robo: The Animation, que traria de volta às telinhas as aventuras de Daisaku Kusama e seu enorme companheiro de aço. Eu confesso que fiquei empolgado em imaginar todo aquele cenário da antiga série, retratado num anime, onde a criatividade não estava presa às amarras dos efeitos especiais de estúdio, nem às pessoas em fantasias de borracha. Eu ficava imaginando como seria aquele mostro que era praticamente um grande olho com pernas, ou aquele que parecia uma arraia, agora na versão animada. Para minha (breve) decepção, o roteiro era totalmente diferente agora, muito mais centrado nos personagens e na trama, um tanto complexa, do que nas lutas-de-derrubar-prédios. Já não havia mais monstros, ou alienígenas, ou uma luta muito bem definida do bem contra o mal. Agora o inimigo era alguém muito mais próximo, alguém em que se podia confiar. Tudo começa com a tragédia de Bashtarle, onde uma cidade foi varrida da face da Terra, quando um renomado cientista chamado Franken Von Vogler detona um conjunto de dispositivos chamados Shizuma Drive, que são a fonte de energia revolucionária mais recente no mundo, e cuja importância está centralizada na trama. Logo se vai descobrindo que a BF (designada aqui como Big Fire) está por trás de tudo, e a dominação mundial é o seu objetivo. O filho do Dr. Vogler, Genya, sai em retaliação contra o mundo que acusa seu pai de genocida, a bordo de uma gigantesca máquina de destruição, o Vogler's Eye. É hora do Robô entrar em ação.

Contei tudo isso, apenas pra chegar aqui.
O anime Giant Robo, lançado para o mercado de vídeo em 7 episódios, nos brinda com uma subtrama mais interessante do que parece. Atrás das batalhas cheias de ação, com animações de cair o queixo - garanto que não estão muito datadas - somos surpreendidos com uma tocante história de pais e filhos. Além da conturbada relação entre o doutor Von Vogler e seu filho, obcecado por vingança e domínio, ainda temos uma relação mais silenciosa e profunda, vinda da figura do gigantesco robô e Daisaku. Diferente do antigo show de tv, nessa história, o cientista que constrói o robô sob ordens da Big Fire é o pai de Daisaku, o prof. Kusama. Em cativeiro, ele desenvolve e constrói uma máquina gigantesca, humanóide e com cara de esfinge, movida a energia nuclear, armada com canhões, mísseis e bombas. Mas além disso, ele insere também em sua criação, muito amor e um forte desejo de proteger seu filho de tudo nesse mundo. Ele nunca contou a seu filho tudo o que sentia por ele, mas todo esse sentimento foi posto em prática após sua morte. A ideia do controle do robô estar nas mãos de Daisaku contrariou - e muito - os líderes da organização, e o professor Kusama é assassinado. Diante do corpo baleado do pai, o pequeno Daisaku é tomado por violentas emoções, o robô é ativado, e ambos fogem juntos da base secreta.

A partir daí, a IPO, uma espécie de polícia internacional, fica com a guarda de Daisaku e também da posse do Robô Gigante. Ambos passariam a trabalhar em conjunto para livrar a Terra das ameaças constantes da BF. Em cada batalha, a relação de Daisaku com o robô é colocada em evidência, e parece mesmo que algo habita o ser metálico, algo que zela e preserva o garoto de todo o perigo, mesmo quando uma ordem não é dada no relógio de comando vocal. Às vezes, temos a nítida impressão de que o robô age de forma independente, mesmo que isso aparentemente não fosse possível. No final do primeiro episódio, por exemplo, Daisaku e outros membros da IPO estão há quilômetros de distância da base, onde fica o hangar do robô, e assim que o menino fica em perigo, o gigantesco sentinela se solta de suas amarras de segurança e alça vôo em auxílio imediato.

Daisaku foi levado a vários conflitos ao longo da história, alguns externos é claro, mas os mais terríveis foram os internos. O fardo, a tremenda responsabilidade que ele sentia por ser o operador de uma das máquinas mais poderosas da Terra, constantemente o colocavam em crise, e sentia muita mágoa do seu pai. Mágoa por o ter colocado nessa situação, e principalmente, por não estar mais ali ao seu lado. Ele viveu com essa dor por muito tempo, até que, chegando no fim da trama, uma revelação é feita que o leva a mudar drasticamente de pensamento. Após o robô ser severamente danificado no olho esquerdo, Daisaku entra em parafuso com a possibilidade da derrota, mas é tomado por um momento de epifania, quando parece ver seu pai o chamando de dentro dos circuitos da grande máquina. Agora tudo estava claro: seu pai nunca o havia abandonado, ele sempre estivera ali, junto com sua criação, cuidando e lutando ao seu lado!

Pra mim, ver Daisaku se alojando dentro da cavidade ocular do Robô Gigante, enroscando seus braços e cintura nos cabos e fios da cabeça gigantesca, foi uma cena memorável! Se sentindo seguro de verdade depois de tanto tempo, ele assume a posição ofensiva e vai à luta, desta vez para a vitória. Ali, ele entendeu. Entendeu que nunca esteve sozinho, apenas controlando uma máquina, mas esteve sob a forte mão protetora de seu pai que, se estivesse realmente ali, em carne e osso, não poderia enfrentar aquela batalha. Mas o gigante poderia. O legado de seu pai era extremamente forte, e era tudo de que o filho precisava. Mais gigantesco do que a máquina que criou, era o desejo de proteger e cuidar do seu filho, mesmo após sua morte. Esse é um legado que todo pai deveria deixar a seus filhos: a certeza de que estes poderão enfrentar a vida, mesmo quando se sentirem desamparados, mesmo quando parecer que ficaram órfãos.


 E, é claro, tudo de bem pra você!
  


14 comentários:

  1. Faz um tempão que planejo assistir esse anime e vou sempre deixando pro lado. Agora, lendo esse texto, tive um grande incentivo. Adorei o texto!

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    1. Se você encontrar disponível com legendas em português, aproveite! Na época do lançamento, a Flashstar chegou a lançar um VHS com o primeiro episódio, depois abandonaram o projeto, e acabei assistindo os DVDs com legendas em inglês, mesmo.

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  2. fantastico trabalho de sinopse. é sem duvida um dos melhores animes que ja vi na minha vida e nao sei se sabes mas esta perola passou no canal 2 ha muito tempo. alias passaram os dois primeiros episodios e depois cancelaram e dobrado em portugues

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    1. Sim, esse anime é muito subestimado. Não sei se foi distribuído incorretamente, ou algum problema de marketing, mas quem não viu, está perdendo a chance de conhecer uma grande obra.
      Não sabia que tinha passado por aqui! Que bacana... pena mesmo que foi cancelado.
      Obrigado pelo comentário!

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  3. sim, lembro me de chegar da escola e estava a dar o episodio 2 em que o alberto estava a espancar o taisou e depois aparecem o isei e o yoshi, nunca me vou esquecer. no dia segunte queria ver o episodio 3 e nada...ate hoje. granda blackout

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  4. https://www.youtube.com/watch?v=UyR7VzpiCxA&t=3s

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    1. Gostei muito do seu vídeo... que legal saber dos melhores animes que passaram em Portugal!
      Aqui no Brasil não chegaram a ser exibidos na tv alguns da sua lista, como Conan o Rapaz do Futuro, Lost Universe, além do próprio Giant Robo.

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  5. ah nao sabia que eras do brasil. quando falei em canal 2 falei ca em portugal :D

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    1. Como aqui também tem canal 2, não estranhei. Só vendo seu vídeo que entendi que era de Portugal!
      ;)

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  6. é engraçado como o robo ficou sem o olho direito, assim como o pai de daisaku. como se o robo e o pai fossem a mesma entidade. isto dá para filosofar bastante :D eu fui pai ha dois meses e agora percebo que ser pai é deixar um legado ao filho.

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    1. Sim, também percebi isso... é como se a própria "alma" do pai habitasse o robô. Bem observado.
      Já sou pai a um pouco mais de tempo, e percebo que nosso legado aos filhos vai além do que ensinamos a eles: o que nós somos e como agimos é transferido a eles igualmente.

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  7. tenho andado a ver Tetsujin 28 Go e nao fazes ideia das personagens de giant robo que aparecem. shizuma, o volger, murasame, e os robos tambem...estranho

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  8. Sim, parece que o Yokoyama aproveitou boa parte dos personagens criados originalmente para Tetsujin 28 em Giant Robo. Não sei ao certo porque ele fazia isso, mas gerou uma tremenda confusão na cabeça dos leitores e tele-expectadores. Murasame, originalmente um ladrão em Tetsujin, é um dos Experts of Justice em Giant Robo. Volger, criador do Black Ox, se tornou o co-inventor do Shizuma Drive. No clímax de Giant Robo, onde ocorre aquela batalha de vários clãs, é possível ver outros personagens de Mitsuteru Yokoyama, entre eles, o ninja Akakage.
    Outro mangaka que sempre fazia isso era o próprio Osamu Tezuka, que vivia reaproveitando seus personagens em outras histórias, hora fazendo homenagens, hora se autoplagiando.
    Exemplo disso é o Jetter Mars, um "remake" do Tetsuwan Atomu, o Astroboy.

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  9. exacto, yayaya. aparece tb o red mask. e o taisou, o tetsuguio sao do manga suikoden. mas ha mais. a filha do alberto, a sammy, tb tem o proprio anime e manga. sammy a feiticeira que passou ca em portugal.

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